sábado, 21 de setembro de 2013
domingo, 8 de setembro de 2013
A Guerra da Síria
Pio
Penna Filho*
Vem aí a Guerra da Síria. A guerra civil
está prestes a se tornar uma guerra com envolvimento direto de outros países,
especialmente Estados Unidos e França, que são os que se mostram mais decididos
a iniciarem bombardeios contra alvos sírios. Não há como prever, a partir do
início dos ataques, quanto tempo levará para que uma coalizão maior se forme e,
eventualmente, parta para uma escalada militar contra o governo de Bashar al-Assad.
O argumento utilizado pelos que desejam
bombardear a Síria é que o governo teria realizado ataques com armas químicas
e, portanto, deveria ser devidamente punido. De fato, todas as evidências
indicam que armas químicas foram usadas na Síria, porém, não há como saber,
pelo menos por enquanto e com certeza absoluta, quem foi o responsável pelo
ataque, se o governo ou se os rebeldes.
Os Estados Unidos e parte dos seus
aliados europeus estão convictos de que foi o governo. Naturalmente, tendo em
vista a desproporção entre os recursos à disposição do governo sírio e os
rebeldes, tudo indica que tenha sido mesmo o governo a usar esse tipo de
armamento contra a sua própria população, e não apenas uma única vez.
O problema é que a credibilidade dos
Estados Unidos não é das melhores. Basta lembrar, por exemplo, o falso argumento
usado para defenestrar do poder Saddam Hussein (que o Iraque teria armas de
destruição em massa e era, portanto, uma ameaça para o mundo).
Enquanto isso, as Nações Unidas
despacharam para a Síria uma missão com o objetivo de averiguar in loco a situação. O problema é que
essa missão não reuniu todas as condições necessárias para um veredito final sobre
a questão. É bem provável que o resultado oficial seja que, de fato, houve a
utilização de armas químicas na guerra, mas sem precisar quem as teria usado.
A resistência contra a anunciada
intervenção militar norte-americana é grande. Rússia e China, que possuem poder
de veto no Conselho de Segurança das Nações Unidas, já disseram que são contra
o ataque à Síria. Representantes dos dois países afirmaram que irão vetar
qualquer proposta de Resolução no Conselho de Segurança que autorize ataques à
Síria.
O uso de armas químicas é um crime, sem
dúvida. O uso desse tipo de armamento é condenado pela maioria dos países,
sendo que poucos não assinaram a Convenção de Paris de 1993 que proibiu a
preparação, fabricação, armazenamento e utilização dessas armas.
Foi a Primeira Guerra Mundial que chamou
mais a atenção do mundo para os efeitos perversos das armas químicas.
Utilizadas inicialmente pela Alemanha em 1915, logo outros beligerantes daquela
guerra começaram também a produzir e usar armas químicas. Mas a impressão
negativa foi tamanha, tanto entre os combatentes como entre a população civil,
que as grandes potências não a utilizaram mais umas contra as outras na Segunda
Guerra Mundial.
Uma intervenção militar norte-americana
limitada fará pouca diferença para os rumos da guerra na Síria. Como o governo
Obama está recalcitrante mesmo quanto a um ataque limitado, tudo indica que a
situação só tende a se agravar para a população síria, já por demais penalizada
pela brutalidade de uma guerra que já ultrapassou todos os limites.
* Professor do Instituto de Relações Internacionais da
Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com
Os Estados Unidos e o Golpe no Egito
Pio
Penna Filho*
A instabilidade política no Egito levou à
deposição do presidente Mursi, que sofreu um duro golpe militar. O curioso
desse episódio é que o golpe foi relativamente bem aceito pelos países
ocidentais, sobretudo pelos Estados Unidos, que afinal são os paladinos da
democracia. Em tese, portanto, os Estados Unidos teriam a obrigação de condenar
veementemente a atitude dos militares egípcios.
Todavia, não foi o que aconteceu. O
governo norte-americano evita, inclusive, usar o termo “golpe militar” para se
referir ao que ocorreu no Egito. É uma contradição e tanto e isso só faz minar
a crença no discurso em torno da democracia que vários países ocidentais
sustentam.
Alguns princípios democráticos não podem
ser relativizados, dependendo das conveniências de quem os defende. Ou se é
democrático, ou não se é democrático. Mohamed Mursi foi eleito democraticamente,
ou seja, a maior parte dos eleitores egípcios depositaram nele o seu voto de
esperança de acordo com a nova realidade do país após a turbulenta deposição do
ex-ditador Hosni Mubarak, ex-aliado dos Estados Unidos.
Mursi mal havia completado um ano de
governo quando os militares aproveitaram os protestos para o derrubarem do
poder. Se essa fosse, ou se tornar, uma prática geral, é de se imaginar quantos
governos não seriam ou serão depostos antes de completarem o seus mandatos. Insatisfações
populares com governantes sempre existem e fazem parte da boa prática
democrática, como estamos vendo ocorrer no Brasil atualmente.
A questão central é que a Constituição
egípcia não foi respeitada e por mais que se discorde da perspectiva política
do presidente Mursi e da Irmandade Muçulmana, à qual está vinculado, isso não é
motivo para sua deposição. A partir do momento em que os Estados Unidos como
que “validam” essa quebra do princípio democrático de acordo com a sua
conveniência, abre-se espaço para colocar em dúvida um dos principais pilares
do seu discurso em termos políticos e éticos.
Aliás, é sempre bom lembrar que a relação
entre os Estados Unidos e os militares egípcios é antiga e assentada em bases
muito pragmáticas. Há tempos os norte-americanos concedem uma vultosa
assistência militar e financeira para o Egito, que eventualmente é complementada
com recursos provenientes de países aliados do Oriente Próximo, como a Arábia
Saudita, o Kuait e o Catar. Em meio a toda essa crise, registre-se a entrega de
modernos aviões de caça F-16 ao regime, mesmo após o golpe.
* Professor do Instituto de Relações Internacionais da
Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com
Comportamento Inaceitável
Pio
Penna Filho*
A tentativa dos Estados Unidos de tentar capturar
a todo custo Edward Snowden, ex-funcionário da CIA, está chegando a um ponto
crítico. O último lance, ocorrido na terça-feira dessa semana, foi a negação de
sobrevoo do avião presidencial da Bolívia sobre os territórios da França,
Itália, Espanha e Portugal, o que forçou a comitiva do presidente Evo Morales a
fazer uma parada não programada na Áustria.
Tal comportamento é inaceitável. Os
europeus, que aliás também foram vigiados e monitorados pelos Estados Unidos,
fizeram um papel muito feio ao colocar sob suspeita o Chefe de um Estado
soberano em retorno de uma viagem oficial à Rússia.
Baseados em rumores, esses Estados
europeus decidiram forçar a descida do avião presidencial boliviano na
esperança de vasculhar a aeronave e reter Snowden para entregá-lo ao governo
norte-americano. Quebraram a cara! As autoridades austríacas informaram
oficialmente que o ex-agente não estava a bordo, aliás, conforme havia, também
oficialmente, sido anunciado previamente pelas autoridades bolivianas.
É curioso o comportamento de alguns
governos da Europa ocidental. Aparentemente não titubeariam em entregar Snowden
a Washington, mesmo sabendo que ele corre o sério risco de ser condenado à
morte por traição nos Estados Unidos. Ou seja, onde fica todo aquele bem
elaborado discurso sobre direitos humanos que os europeus tanto gostam de
apregoar por aí afora?
E mais, as ações de Snowden revelaram uma
das piores facetas da atuação internacional do Estados Unidos, que é a escalada
da vigilância e da espionagem em escala global. Todos que estamos conectados em
rede passamos à condição de suspeitos e de alvos em potencial da espionagem
norte-americana.
Onde está a ética e a moral nesse comportamento?
Qual o lugar do direito a privacidade individual quando a hiperpotência decide
que todos somos suspeitos? E onde isso irá parar? Para que tanta coleta de
dados e informações? Ninguém e nenhum governo fica por aí juntando informações
à toa, tão somente para serem descartadas na sequência.
Comunicado emitido pela presidência da
Unasul, atualmente tendo à frente o Peru, já expressou descontentamento com a
atitude ultrajante dos países europeus que proibiram o sobrevoo e pouso do
avião boliviano por acreditarem nos rumores propagados sabe-se lá por quem. É
inaceitável que um Chefe de Estado seja tratado dessa forma, tendo inclusive a
sua segurança e de toda a sua comitiva, sido colocada em risco por mero boato.
Pelo visto o tempo da arrogância e do
imperialismo não acabou. Ou a comunidade internacional reage e coloca sob
pressão iniciativas autoritárias como essa, ou brevemente retornaremos ao tempo
das trevas, quando prevalece apenas a vontade do mais forte.
* Professor do Instituto de Relações Internacionais da
Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com
Espionagem e Terror
Pio
Penna Filho*
Duas das democracias mais consolidadas do
mundo vem abusando insistentemente da espionagem indiscriminada em nome da
guerra ao terror. Aproveitando-se do fato de que vivemos numa sociedade da
informação e do alto grau de conectividade digital dos tempos atuais, Estados
Unidos e Inglaterra uniram esforços para construir uma vasta rede de espionagem
contra pessoas espalhadas pelo mundo.
Causa espanto o fato de que as denúncias
contra tal estado de coisas tenham sido, pelo menos até o presente momento,
muito tímidas. Poucos governos até agora protestaram contra essa prática que
nos lembra a ação de uma espécie de “big brother” e que até pouco tempo atrás
era imediatamente associado a estados totalitários.
Não fosse a ação da organização WikiLeaks
e de um ou outro funcionário do governo norte-americano suficientemente
consciente e corajoso para tornar público a invasão do privado pelas práticas
autoritárias dos democratas dos Estados Unidos e da Inglaterra, dificilmente
teríamos consciência da extensão da espionagem dos governos desses países.
Tradicionalmente, e com exceção de
governos ditatoriais, a espionagem costumava ter endereço certo, ou seja, era
dirigida contra determinados governos e organizações consideradas
potencialmente perigosas para os interesses deste ou daquele Estado. Não é mais
o que se vê. Agora, somos todos suspeitos.
Nossas mensagens de e-mail e conversas
telefônicas estão sendo submetidas ao crivo dos agentes/espiões dos Estados
Unidos e da Inglaterra, sem o menor pudor. Sociedades espalhadas pelo mundo
encontram-se sob vigilância indiscriminada e esses Estados coletam informações
permanentemente, sejam elas relacionadas exclusivamente à nossa vida privada,
sejam elas associadas a posições políticas.
Algo está muito errado e é preciso
reagir. É bom lembrar que o dedo acusatório dessas duas grandes potências até
bem pouco tempo atrás era dirigido contra regimes autoritários que agiam da
mesma forma.
Esse tipo de prática não costuma terminar
bem. A história nos mostra que governos que tentam
controlar as suas sociedades enveredam por caminhos sinuosos e, acima de tudo,
contrários à prática da boa democracia. De boas intenções, o inferno está
cheio, como diz um sábio ditado popular.
Ou reagimos ou sucumbiremos. Não se trata
de ficar apenas à espera da reação das sociedades dos dois países espiões. Eles
não estão vigiando apenas os seus cidadãos, o que já seria um absurdo. Os seus
tentáculos espalharam-se pelo mundo sem fronteiras da sociedade em rede. É
preciso dar um basta nisso enquanto ainda é tempo.
* Professor do Instituto de Relações Internacionais da
Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com
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