domingo, 25 de agosto de 2013

Desafios Pan Amazônicos


Pio Penna Filho*

 

Um dos grandes desafios que se coloca em termos Pan Amazônicos, ou seja, envolvendo todos os países condôminos da grande floresta, diz respeito em como compatibilizar a exploração dos recursos encontrados na Amazônia com a preservação ambiental e com os direitos das populações nativas e não nativas que há muito tempo habitam a região.

A expansão do agronegócio, a exploração de gás e petróleo, as atividades de extração de madeira, ouro e outros minerais e a construção de hidroelétricas realizadas até o presente momento já demonstraram quão agressivas são essas atividades para um ecossistema relativamente frágil.

Trata-se, na verdade, de um paradoxo, porque não há como desenvolver e integrar as respectivas regiões amazônicas ao restante dos países que a compõem sem implementar projetos de desenvolvimento que dependem de fortes inversões dos Estados nacionais e que, inevitavelmente, provocam efeitos colaterais sobre o meio ambiente.

Seria uma grande ilusão pensar exclusivamente em termos de proteção ambiental sem considerar as necessidades humanas e dos países que conformam a Pan Amazônia. No fundo, não há muita diferença em termos de países, uma vez que as necessidades de praticamente todos os Estados amazônicos convergem para esse paradoxo entre os ideais “preservacionistas” e os “desenvolvimentistas”.

De toda forma, é possível, até certo ponto, compatibilizar desenvolvimento com preservação, no sentido da sustentabilidade do desenvolvimento. Nesse caso em específico, a presença do Estado na Pan Amazônica se torna condição sine qua non para que algum grau de sustentabilidade seja alcançado no processo de desenvolvimento da região.

A título de exemplo, a questão da biopirataria é apenas um dos problemas enfrentados pelos países da Pan Amazônia frente aos grandes interesses internacionais em torno do recursos amazônicos. Estima-se que as populações indígenas empreguem aproximadamente 1.300 diferentes plantas para fins medicinais, que possuem princípios ativos característicos de antibióticos, narcóticos, anticoncepcionais, antidiarreicos, anticoagulantes, fungicidas, anestésicos, antiviróticos e relaxantes musculares.

É de se imaginar a variedade de patentes no campo da saúde que podem sair de tão vasto acervo que se encontra espalhado pela Pan Amazônia. Mas as riquezas da biodiversidade não se restringem ao campo da saúde. Existe também um enorme potencial em termos alimentares e toda uma tradição “imaterial” que acaba chamando a atenção de muitos outros países e grupos para a Amazônia, mais um ponto a recomendar a real presença dos Estados Pan Amazônicos nesse imenso e valioso território. 

 



* Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com

Cortes na Defesa


Pio Penna Filho*

 

O Ministério da Defesa foi o segundo mais atingido pelo novo corte de despesas anunciado no começo dessa semana pelo governo federal. Pelo que foi dito, serão 919 milhões de reais a menos para um orçamento que já é insuficiente para as demandas da área da defesa do Brasil.

Chega a ser escandalosa a forma como sucessivos governos vem tratando o assunto da segurança nacional. Parece que nenhum deles, pelo menos desde o início da década de 1990, tem consciência de como a falta de investimentos nesse setor acarreta prejuízos de difícil e longa recuperação. Está aí a novela da compra de aeronaves de combate para provar como não há seriedade nesse assunto.

Enquanto milhões de reais somem pelo ralo da corrupção e muito dinheiro é enterrado em projetos e obras que nunca são concluídas (aparentemente de propósito) e valores absurdos são pagos em nome de uma dívida que ninguém que está no poder quer auditar, as Forças Armadas ficam à míngua, quase inoperantes e levando uma vida do tipo para “inglês ver”.

E é esse país que deseja, pelo menos no discurso, uma cadeira como membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Ora, tratar a Defesa e, consequentemente, as Forças Armadas dessa maneira é dar um tiro no próprio pé. Enfim, não é uma atitude nada inteligente.

O Brasil não é um país pobre. Existem recursos, mas alguns gastos públicos beiram à irracionalidade e existe o costumeiro desperdício em nome de inúmeros privilégios aos donos do poder. A título de exemplo estão aí os escândalos da utilização de aeronaves da Força Aérea Brasileira por políticos e o execrável aparelhamento do Estado por uma coligação de partidos políticos que até outro dia se diziam de “esquerda”.

Os defensores do corte do orçamento da Defesa dizem que não existem ameaças ao Brasil e que tanto faz termos ou não Forças Armadas. Ora, esse tipo de pensamento é de uma miopia gritante, que beira a cegueira. As Forças Armadas não são um luxo, mas uma necessidade para um país da dimensão do Brasil. E as ameaças existem, sim. Vivemos num mundo em que os conflitos persistem e os grandes impõe a sua vontade pela força. Sem uma capacidade mínima de dissuasão, o país fica vulnerável e à mercê da vontade e dos interesses externos.

O pior de tudo é que o comportamento dos políticos e dos partidos brasileiros nos últimos anos tem demonstrado grande desinteresse e enorme falta de sensibilidade para um tema tão importante. Entra governo, sai governo e quase nada muda. Parece que esse quadro só mudará quando a sociedade estiver mais consciente da importância de termos Forças Armadas mais modernas, bem equipadas e treinadas. E para tudo isso é preciso dinheiro.

Em síntese, não existe uma cultura política voltada para a Defesa no nosso país e isso, pelo visto, ainda se arrastará por algum tempo. Por enquanto, temos que contar mesmo é com a sorte e com a determinação dos militares em atuar com os escassos recursos à sua disposição.

 

 

 



* Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com

Guiana Francesa

Pio Penna Filho*
A maior fronteira da França não é com nenhum país europeu, como seria “lógico” e natural supor, uma vez que se trata de um país localizado na Europa. Na verdade, sua maior fronteira é justamente com o Brasil, que se dá por meio da chamada Guiana Francesa, um resquício da era do colonialismo encravado na grande Amazônia.
A Guiana Francesa é considerada um Departamento Ultramarino da França, ou seja, parte do território francês. Sua capital é Caiena, que conta com aproximadamente 62 mil habitantes, de um total estimado de 221 mil habitantes para todo o território.
Para os franceses, o que mais interessa na Guiana é a base de Kourou e adjacências, o que contempla a capital Caiena. o território é um dos mais importantes centros de lançamentos de foguetes do mundo. A partir da base de Kourou, os franceses (e seus associados) já lançaram com sucesso mais de 300 satélites, a maior parte deles utilizando foguetes Ariane.
Mais recentemente, houve uma expansão da base de lançamentos, que passou também a utilizar foguetes russos Soyuz, que pela primeira vez na história foram lançados de fora de território ex-soviético ou russo.
A economia da Guiana é muito pouco desenvolvida, o que gera alta dependência de recursos provenientes da “metrópole”, uma vez que possui modesta produção e uma pauta de poucos produtos exportáveis, o que é, aliás, bem típico de um modelo “colonial”.
As relações entre Brasil e França, no que diz respeito à Guiana, apresentam um baixo perfil. Aliás, existem desconfianças mútuas, o que acaba prejudicando projetos de maior aproximação.
Do lado da França/Guiana, observa-se que as autoridades francesas não promoveram a abertura de vias que integrassem as áreas litorâneas, mais povoadas, com o interior, sobretudo com as zonas de fronteira mais ao sul, que praticamente não possuem cidades ou núcleos populacionais. Além disso, em decorrência do aumento da entrada de migrantes ilegais (muitos deles provenientes do Brasil), a França endureceu a fiscalização nas fronteiras e dificultou a concessão de vistos de entrada para a Guiana (já para a própria França, essa exigência não existe).
Do lado brasileiro, só muito recentemente o país se preocupou em buscar uma maior aproximação com o território francês do ultramar na América do Sul. Assim, foi apenas no governo Fernando Henrique Cardoso que Brasil e França começaram a discutir a construção de uma ponte ligando a cidade brasileira de Oiapoque à cidade guianense de Saint-Georges-de-l’Oyapock, projeto que somente avançou após entendimentos entre os governos Lula da Silva e Nicolas Sarkozy.
Em suma, há ainda um longo caminho a ser percorrido para que o Brasil possa se aproximar da Guiana e ampliar o grau de interação com a França por meio da condição de vizinhos territoriais, o que pode trazer benefícios para ambos.




Massacre no Cairo


Pio Penna Filho*

 

O Oriente Médio continua sendo um barril de pólvora altamente explosivo. Um dos expoentes da tão falada “primavera árabe”, o Egito, um dos mais importantes países da região, vive no fio da navalha. A situação política se deteriorou tanto que a violência irrompeu de forma avassaladora durante essa semana.

Por enquanto, a contabilidade dos últimos confrontos na cidade do Cairo registra mais de 500 mortos e milhares de feridos após violenta repressão das forças militares contra os apoiadores do presidente deposto, Mohammed Mursi. Os militares egípcios, pode-se dizer, perderam o juízo. Ou, então, estão muito confiantes com o apoio externo que ainda, de certa foram, conseguem manter.

É interessante notar que o golpe de Estado recentemente dado pelos militares foi tolerado de forma não usual pela comunidade internacional, sobretudo pelos Estados Unidos. Internamente, o novo regime utilizou o argumento da ordem e do governo liberal para manter alguma legitimidade. Alguns políticos de renome internacional, como o Prêmio Nobel da Paz Mohamed El Baradei, chegaram inclusive a se aventurar no novo governo.

Baradei foi uma das primeiras baixas pós-massacre. Infelizmente para sua reputação, saiu tarde demais. Poderia ter mantido sua biografia sem o custo de tantas mortes nas costas, aliás, assim como alguns governos estrangeiros que apostaram na “solução” militar para conter a Irmandade Muçulmana.

Um dos pontos emblemáticos do que está acontecendo no Egito é justamente o desrespeito à Constituição do país e à própria e incipiente democracia egípcia. Mohammed Mursi foi democraticamente eleito e os opositores ao seu governo e à Irmandade Muçulmana não tiveram a paciência necessária para esperar o final do mandato e a decisão das urnas do próximo pleito eleitoral. Os militares e seus associados aprisionaram ilegalmente o presidente e o mantem encarcerado até hoje, sem acusações que façam algum sentido.

É preciso considerar que os militantes e simpatizantes do presidente Mursi conformam uma parcela importante da sociedade egípcia. Seu protesto é legítimo, afinal de contas ilegítima foi a ação que levou à deposição do presidente. Estavam exercendo um dos principais e mais elementares pilares da cidadania, que é o direito à livre manifestação. Não pode a comunidade internacional ficar apática diante de tal abuso e seguir a retórica vazia dos norte-americanos, que sequer reconhecem como golpe de Estado o que aconteceu no país e continuam enviando ajuda bilionária para os militares.

Os cenários de curto e médio prazos para o Egito não são muito alvissareiros. Por um lado, é muito difícil imaginar uma saída que contemple o retorno ao poder do presidente Mohammed Mursi e a normalização institucional do país; por outro, com a democracia fragilizada e as características políticas regionais, associadas à ambiguidade norte-americana em sua relação com os militares egípcios, é também difícil imaginar uma solução razoável num curto período de tempo.

 

 

 

 

 

 

 

 



* Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com