segunda-feira, 24 de junho de 2013

Manifestações no Brasil: repercussões internacionais


Pio Penna Filho*

As manifestações populares em curso no Brasil alcançaram outras partes do mundo. O Brasil, que já estava em evidência na mídia internacional por conta da realização da Copa das Confederações, passou agora a constar quase que diariamente em diversos noticiários internacionais que repercutem os grandes protestos que vem ocorrendo em diversas partes do país.
Trata-se de algo novo. Geralmente, as notícias sobre o Brasil focavam aspectos da extrema violência cotidiana no país ou então informações relacionadas à economia nacional. Mas a extensão das manifestações políticas em andamento chamaram a atenção da mídia, aliás, como não poderia deixar de ser.
Muitos brasileiros que moram no exterior saíram para as ruas e praças de cidades como Toronto, Madri, Paris e Londres para manifestar sua solidariedade aos protestos que vem ocorrendo no Brasil. Desta forma, ajudaram a ampliar a divulgação do descontentamento interno e passaram a mostrar um Brasil ainda pouco conhecido no exterior.
Dois aspectos ganharam mais destaque. Em primeiro lugar, o inusitado dessas manifestações. Ninguém poderia prever uma explosão de descontentamento dessas proporções e com tal intensidade. É de se notar, a propósito, que os governantes, políticos brasileiros e a própria sociedade foram pegos de surpresa.
Em segundo lugar, a reação inicial de vários governadores, sobretudo no Estado de São Paulo (mas não apenas) foi a de lançar a força policial com repressão brutal aos manifestantes. Isso repercutiu muito mal, tanto interna quanto externamente. Alguns analistas identificaram nessa atitude o despreparo da polícia brasileira para o tratamento de manifestações tipicamente democráticas e, no exterior, colocou mais um ponto de interrogação no preparo do estado brasileiro para conduzir grandes eventos.
Outro ponto que chama a atenção é que há uma tendência a fazer comparações entre as manifestações na Turquia e as que estão ocorrendo no Brasil. São questões diferentes, mas que se aproximam devido ao caráter popular e espontâneo de desafio aos governos constituídos e sua ampla mobilização promovida por meio de redes sociais.
As manifestações populares são legítimas e saudáveis para a democracia. A população tem o direito de manifestar o seu descontentamento com os governantes, ainda mais num país como o Brasil, repleto de desigualdades sociais e de atitudes insensíveis por parte de suas elites políticas. E quanto mais isso repercutir no exterior, tanto melhor. Ajuda a mostrar uma faceta nova de uma realidade antiga e pouco conhecida do nosso país.





* Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com

Fome na Coreia do Norte


Pio Penna Filho*

Os norte-coreanos estão prestes a reviver um dos seus piores pesadelos dos anos 1990, qual seja: uma nova crise alimentar. O belicoso regime da dinastia dos Kim não consegue nem produzir e nem tampouco comprar alimentos para abastecer a população do país, já por demais sofrida com a quase absoluta falta de liberdade.
No Brasil pouca gente sabe, mas na segunda metade da década de 1990 a escassez generalizada atingiu de forma mortal aproximadamente um milhão de pessoas (as estatísticas variam muito, indo de seiscentos mil a dois milhões e meio de mortos) Essa gente morreu lentamente, em decorrência da fome, que chegou de forma gradativa.
Relatos dos sobreviventes que conseguiram fugir do país em direção à China e à Coreia do Sul traçam um quadro dramático, no qual as pessoas iam definhando e se transformando em cadáveres vivos, até sucumbirem por inanição. Literalmente, não havia o que comer em várias partes do país, principalmente nas cidades do interior.
A grande fome dos anos 1990 veio na sequência da crise do socialismo, com a extinção da União Soviética e as mudanças no regime chinês, que até então, junto com o desbaratamento dos demais países do bloco socialista, deixou a Coreia do Norte órfã e praticamente isolada do resto do mundo (assim como aconteceu, parcialmente, com Cuba).
O colapso econômico e a disposição belicosa do governo levou a uma crise interna profunda. O desemprego explodiu e a economia do país retrocedeu. Os parcos recursos do Estado foram empregados para manter os privilégios da alta cúpula do Partido dos Trabalhadores, a máquina militar em funcionamento e o estrito controle da sociedade.
O país entrou num ritmo totalmente descompassado com a modernidade e caminhou em direção ao passado. A maior parte das fábricas foram fechadas e a Coreia do Norte escureceu. Quando se observa uma foto de satélite tirada a noite nota-se, assombrosamente, o contraste da escuridão do país com o brilho de vizinhos imponentes, como a Coreia do Sul, o Japão e a China.
As perspectivas atuais não são nada boas para o povo norte-coreano. Aparentemente passou o temor de uma guerra, mas o espectro da fome está presente, talvez tanto quanto na década de 1990. Portanto, mais uma catástrofe humanitária à vista.




* Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com

Art Nouveau

sábado, 1 de junho de 2013

A Internacionalização do conflito na Síria

Pio Penna Filho*

A internacionalização da guerra civil na Síria está atingindo um novo patamar. Agora os russos prometem entregar um sofisticado e poderoso sistema de mísseis para o governo do país e os europeus acabaram de anunciar o fim do embargo de venda, ou melhor, de transferência de armas para os rebeldes sírios. No fundo esses países estão alimentando a guerra civil que está consumindo com o país.
A Síria está sendo destruída por dentro. Impressiona ver as imagens de sua lenta destruição e atos de extrema barbaridade pela internet. Basta digitar “guerra na Síria” no site Youtube e pronto, o expectador terá à sua disposição cenas e mais cenas de horrores e destruição.
Cidades históricas que remontam à antiguidade vem sofrendo pesados bombardeiros, tanto de disparos de armas leves, de canhões, de blindados, de aviões e de helicópteros. Prédios, casas, hospitais, mercados, nada está sendo poupado. Franco atiradores disparam contra pessoas, bandos de rebeldes disparam seguidamente de alguma esquina e, por outro lado, tropas do Exército revidam ou atacam com o mesmo furor. Milhares já morreram e outros tantos agonizam lentamente, junto com o país.
Já não se trata apenas de um conflito interno. A guerra na Síria está internacionalizada. Ao lado do governo combatem, pelo que se tem divulgado, militantes do Hizbollah baseado no Líbano e “instrutores iranianos”. Isso sem contar com o apoio diplomático e material fornecido pelos russos. Já do lado dos insurgentes, combatem militantes islâmicos de diversos países, quase todos ligados ao jihadismo. O chamado Exército Livre da Síria também recebe suporte de governos de outros países que, naturalmente, não assumem sua ajuda.
Não adianta querer tapar o sol com a peneira. Por mais que alguns governos ocidentais insistam que não estão apoiando os rebeldes, isso não parece bater com a realidade. Alguém está ajudando os rebeldes com dinheiro, armas, munição e logística. Não fosse isso seria impossível para o Exército Livre da Síria continuar em atividade após três longos anos de conflito contra um Estado que possui, ou pelo menos possuía, um Exército relativamente bem estruturado e equipado, sem contar com o seu poder e supremacia aérea.
Fazer a guerra custa caro. Ninguém, nenhum grupo ou país que não seja rico e tenha recursos à disposição, tem condições de manter uma guerra durante muito tempo, ainda mais com as características da guerra civil na Síria.
O que os estrangeiros estão fazendo é alimentar a guerra e a destruição na Síria. É verdade que a legitimidade do regime de Bashar al Assad está comprometida há muito tempo e que dificilmente ele terá condições de se manter no poder, uma vez que a guerra está abrindo novas feridas na sociedade síria. Será preciso, portanto, algum arranjo político para que uma transição ocorra.
Mas os arautos da guerra estão falando mais alto, na Síria e fora dela. O regime não aceita ceder, entregar o poder e deixar a sociedade prosseguir. No plano externo, a política de sanções e pressão foi substituída pela via da violência. O impasse político está promovendo uma sangria talvez sem precedentes na história da Síria e os tambores da guerra parecem não se cansar. Pobre povo sírio.






* Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com