quarta-feira, 17 de outubro de 2012
terça-feira, 16 de outubro de 2012
Política Nacional de Fronteiras
Pio
Penna Filho*
O Brasil é detentor de uma vasta e
diversificada área de fronteira (apenas as fronteiras terrestres tem pouco mais
de 15.700 km de extensão!), mas ainda não possui uma política nacional que dê
conta dos complexos problemas que envolvem essas áreas. É imprescindível que o
governo federal, associado aos governos estaduais e municipais diretamente
vinculados a essas regiões, tome a importante atitude de elaborar uma política
específica e efetiva para as nossas fronteiras.
Estados fronteiriços como Mato Grosso
deveriam ter todo o interesse em provocar o governo federal a rever a
perspectiva central com relação às zonas de fronteira. É certo que as questões
relacionadas com as fronteiras não afetam apenas os Estados que estão na linha
de frente, todavia, eles geralmente costumam ser os primeiros a sentir os
problemas derivados dessa característica peculiar.
É por eles que entram e saem as drogas, o
contrabando, os fluxos migratórios (legais e ilegais) e toda sorte de ilícitos
praticados entre dois ou mais Estados. Naturalmente, parte desses ilícitos
costuma ficar nos Estados fronteiriços, que não são apenas corredores que levam
aos grandes centros mais distantes, principalmente aqueles localizados no
sudeste do país.
É de se notar também que a visão da
capital federal com relação às nossas fronteiras não necessariamente
corresponde à complexa realidade vivenciada pelos Estados, municípios e pessoas
que vivenciam o cotidiano dessas áreas. Brasília, por exemplo, tende a ver a
fronteira muito a partir da perspectiva da segurança e desconhece várias das
necessidades e precariedades que envolvem o dia a dia da vida nessas regiões
“esquecidas”.
Segundo essa visão, a presença do
Exército e de alguns poucos postos da Polícia Federal estariam de bom tamanho,
como se ambos fossem capazes de prover as necessidades dessas regiões e do país.
Além disso, quando muito, temos um posto da Anvisa aqui e um da Receita Federal
acolá. E nada mais.
Aliás, as próprias instituições do Estado
federal que lidam com os temas fronteiriços costumam
ignorar-se mutuamente, sendo portanto muito baixo o grau de interação e
cooperação entre elas. Isso só faz agravar mais o problema. Há ainda o fato de
que os Estados e municípios raramente são convocados a participar do debate,
justamente eles que mais conhecem a realidade das zonas de fronteira.
À parte algumas áreas fronteiriças do sul
do país, historicamente mais integradas com os países vizinhos, como se
verifica principalmente no Estado do Rio Grande do Sul, as nossas fronteiras
vão ficando cada vez menos habitadas à medida que seguimos em direção ao norte,
sobretudo a partir do Estado de Mato Grosso, até chegarmos ao ponto realmente
crítico das fronteiras amazônicas.
É imperativo que o governo federal
encontre uma forma de melhor integrar essas regiões tão importantes para o país
com as outras “partes” do Brasil. Para isso, torna-se crucial a melhor
compreensão dos seus problemas e de como se veem e veem o Brasil aqueles que nelas
vivem. Enfim, é preciso levar, além de desenvolvimento e integração, também a
cidadania para as nossas fronteiras.
* Professor do Instituto de Relações Internacionais da
Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com
segunda-feira, 8 de outubro de 2012
domingo, 7 de outubro de 2012
Perspectivas da Crise na Europa
Pio
Penna Filho*
A
crise continua forte na Europa, sobretudo em alguns países que estão sentindo
de forma mais severa os seus efeitos. Dentre eles se destacam Espanha, Portugal
e Grécia, embora não sejam os únicos. Essa crise, segundo os especialistas,
ainda levará tempo para ser superada e os seus reflexos se prolongarão ainda
por vários anos.
Algumas
manchetes, coletadas de forma aleatória em jornais, nos dão a dimensão severa
da crise e seu impacto social: “Mais de 500 famílias são despejadas por dia na
Espanha”, “Grécia corre contra o tempo e busca aprovação de pacote”, “Portugal
sobe imposto de renda em 30% para cumprir metas de resgate” e “Maior sindicato
de Portugal convoca nova greve geral”, são alguns exemplos.
Acostumados
a um padrão de vida elevado, os europeus estão agora sentindo na pele o que é
viver com restrições. Aumentou o desemprego, a renda diminuiu, os preços e os
impostos subiram. Ou seja, a pobreza voltou e está presente após um ciclo de
prosperidade no velho continente.
As
implicações sociais da crise são grandes e já se fazem sentir na Europa e
alhures. Aqui no Brasil já percebemos o aumento do fluxo
de cidadãos europeus em busca de trabalho e melhores condições de vida. Quem
diria! Dez anos atrás eram os brasileiros que buscavam melhores condições na
Europa.
Certamente
a crise trará mais novidades políticas em vários países europeus. O próprio
processo de integração vem passando por sérios questionamentos por parte de
vários setores sociais europeus. Parece que há um quase consenso em apontar a
adoção da moeda única, o euro, como um dos principais vilões da crise. Mas isso
é pouco. O euro certamente teve e tem o seu papel na crise, mas por si só não a
explica totalmente.
Dentre
os possíveis cenários no médio e longo prazo, podemos vislumbrar a diminuição
da interdependência econômico-comercial das economias europeias. A economia
alemã, a mais dinâmica da Europa, caminha a passos largos para se conectar cada
vez mais com a China e com outros mercados fora da Europa. Certamente, isso
provocará impactos na ideia de um espaço econômico comunitário no âmbito
continental.
A
fase atual é muito mais de fragmentação. Estamos assistindo a um processo que
está comprometendo a união entre os países europeus e também a unidade política
de alguns desses países, sendo que esse fenômeno é especialmente forte na
Espanha. Muitos já não acreditam mais na Europa como unidade política e veem
justamente na União Europeia a principal fonte do seus problemas.
A
diminuição e mesmo a retração no processo de integração da Europa é um exemplo
do dinamismo da história. O que parecia consolidado há poucos anos atrás e que
era exemplo e inspiração de integração para vários outros blocos regionais está
se mostrando, aparentemente, um castelo de cartas.
Mas
o resultado final, de todo modo, só o tempo dirá. Os europeus tanto podem
retomar a integração, num novo patamar, quanto enfrentarem uma gradativa e
forte retração na ideia comunitária. O fato é que atualmente a principal
tendência é justamente essa última.
* Professor do Instituto de Relações Internacionais da
Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com
Trinta Mil Mortos
Pio
Penna Filho*
A
Síria está em guerra e a contagem dos mortos, mesmo que imprecisa, já atinge um
número considerável: trinta mil em um ano e meio. Não é pouca coisa. Um dado
complementar importante é que, como quase sempre, os civis são os mais
atingidos e perfazem a maior parte dos mortos, isso sem contar o intenso fluxo
de refugiados que não para de crescer.
Assusta-nos
a incapacidade das Nações Unidas para encontrar uma solução para a guerra. Até
agora, não passamos de vagas declarações de apoio à “paz” e do veto no Conselho
de Segurança a qualquer possibilidade de intervenção oficial. Ou seja, a
comunidade internacional está imobilizada.
Porém,
o paradoxo maior é que a guerra civil síria já está internacionalizada há muito
tempo. Não se trata, portanto, de um conflito estritamente interno. Veja-se,
por exemplo, que a liderança militar do chamado Exército Livre da Síria operava
a partir da Turquia, naturalmente com o conhecimento e anuência das autoridades
turcas.
O
Irã é outro país diretamente envolvido e que não esconde sua opção pelo governo
de Bashar Al Assad. Oficialmente, admite a intervenção por meio da presença de
instrutores militares iranianos em solo sírio. Ainda apoiando a Síria temos o
governo russo, que possui interesses no país e patrocinou o veto no Conselho de
Segurança contra qualquer intervenção direta no país.
Os
insurgentes, por sua vez, também não estão sozinhos. Seria impossível manter
uma resistência armada tão prolongada sem contar com apoio externo, ainda mais
contra um governo que dispõe de recursos e não economiza na violência e na
repressão interna.
Eles
estão recebendo armas, munições, treinamento, suprimentos e voluntários que
para a Síria se dirigem provenientes de vários países, especialmente do mundo
árabe. Existem sérias suspeitas que alguns governos ocidentais vem mantendo
contatos secretos há vários meses com os insurgentes.
Fica
evidente, pois, que a guerra já está internacionalizada. Somente as
organizações internacionais e regionais não assumem maiores responsabilidades
porque possuem impedimentos legais, além da falta de vontade política para
incrementar a pressão por mudanças.
Todavia,
como bem lembrou um civil sírio ao reclamar da indiferença internacional para
com a sorte dos seus concidadãos, os Estados Unidos, como hiperpotência, quando
desejam não costumam pedir autorização a ninguém para fazer a guerra, mesmo que
seja criar uma guerra para acabar com outra.
E,
por último, existem aqueles países que assistem quase indiferentes ao que está
acontecendo na Síria, como é o caso do Brasil. Assim, para o governo brasileiro
não existe solução militar para a guerra. A saída é o dialogo, pensa a nossa
chancelaria, como se isso fosse possível com o governo Assad.
Triste
período que vive a Síria e o seu povo. Os últimos anos da tirania de Assad
serão lembrados pela história como um momento de muita dor e sofrimento.
* Professor do Instituto de Relações Internacionais da
Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com
Intolerâncias
Pio
Penna Filho*
Essa semana assistimos novas
manifestações violentas resultantes da intolerância religiosa. Muitos
muçulmanos se sentiram ofendidos pelo que consideraram um grande desrespeito
para com o Profeta Mohammed após tomarem conhecimento de um filme produzido nos
Estados Unidos e desencadearam violentos protestos em alguns países do Oriente
Próximo e Norte da África.
O filme, disponível no youtube e acessado
milhares de vezes, possui um claro viés desrespeitoso para com o Profeta, além
de uma mediocridade aviltante. Não se trata de um caso isolado, haja vista que
manifestações como essa, que buscam ridicularizar personalidades carismáticas
ou símbolos representativos da fé de muitas pessoas tem se repetido inúmeras
vezes.
Vale lembrar os episódios verificados no
Iraque e, mais recentemente, no Afeganistão, nos quais militares
norte-americanos vilipendiaram cadáveres de muçulmanos e queimaram exemplares
do Corão.
Houve também episódios na Europa, sendo
os mais conhecidos a publicação de cartoons sobre o Profeta na Dinamarca, a
produção de um filme considerado depreciativo também sobre o Profeto na Holanda
e, mais recentemente, a intolerância cultural e religiosa dirigida aos
muçulmanos na França que foram proibidos de usar a burca em escolas públicas.
Isso sem contar os repetidos atos de vandalismo e profanação geralmente
praticados contra alvos judaicos.
Outro tipo de intolerância que tem
ocorrido com certa frequência se dá no âmbito mesmo do mundo muçulmano. Não tem
sido incomum atos extremamente violentos dirigidos contra grupos muçulmanos de
correntes divergentes, como as agressões entre xiitas e sunitas, por exemplo.
O fato é que assistimos ultimamente ao
aumento da intolerância religiosa e geralmente envolvendo, com mais frequência,
o mundo muçulmano. É algo realmente preocupante porque a intolerância religiosa
quase sempre vem acompanhada de diferenças políticas, que tendem a
potencializar ainda mais a violência.
Não é absurdo afirmar que parte
substancial dessa intolerância parte do chamado ocidente cristão contra os
adeptos do islamismo. Não se tem notícia de que grupos muçulmanos vilipendiam
ou agridam, por exemplo, templos ou símbolos do cristianismo. Aliás, os
muçulmanos, desde a época do Profeta, reconhecem e respeitam a religião cristã.
O problema, portanto, é que a chamada
civilização ocidental, por arrogância e prepotência, mais do que por
incompreensão e ignorância, não tem respeitado a crença e a fé dos muçulmanos.
Há quase um abismo entre os mundos cristão e muçulmano, que via de regra
tiveram tensas relações desde o surgimento do Islã.
Ou o ocidente passa a respeitar os
muçulmanos, reconhecendo a sua fé, valores e costumes, ou o convívio entre
esses povos continuará a ser conflituoso e violento. É imperioso que busquemos
mais diálogo e compreensão, e isso também é dever da comunidade internacional.
A Organização da Nações Unidas deveria ter uma atitude mais ativa para fomentar
esse diálogo.
* Professor do Instituto de Relações Internacionais da
Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com
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