quarta-feira, 4 de abril de 2012

ESTÁDIO JOSÉ FRAGELLI, MAS PODE CHAMÁ-LO DE VERDÃO



Autor: PORTELA, Lauro*

Há mais de trinta anos Cuiabá ganhava um presente. O “sonho que se tornou realidade”, como diziam os jornais da época. Um estádio de futebol com capacidade para 50 mil pessoas era inaugurado na antiga “Várzea do Ensaio”, bairro Cidade Alta1. Dois foram os projetos apresentados ao então governador de Mato Grosso, José Fragelli, para a construção do estádio: o primeiro por um consórcio de 13 arquitetos, representados por Ari Veiga Costa Campos foi recusado: o outro, por fim, escolhido, foi assinado pelo arquiteto Silvano José Wendel.
O interesse de Cuiabá pelo estádio era tão grande que a 1ª Dama do Estado, dona Maria de Lourdes Ribeiro Fragelli, foi escolhida como sua madrinha2. Afinal de contas, Cuiabá, a capital do Estado não poderia ficar atrás em modernidade, e faltava um estádio de futebol à altura. O velho “Estádio Presidente Dutra”, o “Dutrinha”, já não comportava mais uma cidade em pleno crescimento. O “inha” precisava ser “ao”.
Campo Grande, a maior cidade de Mato Grosso, na época, já tinha o seu, e que homenageava o governador que construiu – o “Estádio Universitário Pedro Pedrossian”, localizado dentro do campus da Universidade Estadual de Mato Grosso (UEMT), atual Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).


Cuiabá e Campo Grande: duas cidades rivais

O que fica evidente, ao folhear os jornais de papel já amarelecido pela ação do tempo da década de1970, depositados no Arquivo Público de Mato Grosso, é a disputa entre as duas principais cidades mato-grossenses da época: Cuiabá e Campo Grande.
É bem verdade que existia uma corrente separatista no sul de Mato Grosso, naquela época3. No entanto, o temor de ver Mato Grosso dividido era apenas uma especulação, que se tornaria realidade em 1977 – para a tristeza dos cuiabanos. A divisão veio muito mais como a imposição de um regime ditatorial, que como a realização do desejo popular emanado do então sul mato-grossense4. Entre sul e norte havia muito mais a aproximar: o Pantanal, a musica caipira, o gado, o rio Paraguai, a história etc.
O Verdão – e também, outras grandes obras públicas, tais como o Centro Político Administrativo (CPA), a abertura de grandes avenidas, como a Avenida Historiador Rubens de Mendonça ou Avenida do CPA – são obras significativas no processo de crescimento, que Cuiabá experimentou entre as décadas de 1960 e 1970. O orçamento dessa obras ficou sob a responsabilidade da Companhia de Desenvolvimento de Mato Grosso (CODEMAT), que, para levantar a verba necessária, vendeu grandes parcelas de terras (cerca de 2 milhões de hectares) no extremo norte de Mato Grosso – região de Aripuanã5.
Cuiabá vivia seus movimentos de grande crescimento populacional, devido à grande massa de imigrantes, atraídos pelas oportunidades da nova fronteira agrícola. Em outras palavras, uma explosão demográfica, como todos os problemas e questões sociais que são correlatas a este processo6. Mesmo sendo Campo Grande o maior centro urbano do Estado, com cerca de 140 mil habitantes – o que muito incomodava Cuiabá – a capital chegou a mais de 100 mil, quase dobrando a sua população em apenas dez anos.7 O seu grande crescimento populacional e o desejo de se modernizar justificaram os investimentos em grandes obras da época. Entre elas, o Verdão.
Fica claro, do mesmo modo, que a rivalidade com Campo Grande também apoiou tais políticas de investimentos em Cuiabá. O próprio nome com o qual o novo estádio da capital ficaria conhecido parecia uma resposta aos campo-grandenses: “Verdão”, contra o nome “Morenão”, como ficou conhecido o Estádio Universitário Pedro Pedrossian, inaugurado em 1971. O sufixo “ão” dá uma idéia de enormidade, de grandiosidade. No caso dos dois estádios, os nomes lembram as respectivas perífrases pelas quais eram conhecidas as duas cidades: “Cidade Verde”, Cuiabá e “Cidade Morena”, Campo Grande.
Também o acordo firmado com a Confederação Brasileira de Desportos, na época presidida por João Havelange, para a participação de uma agremiação cuiabana no Campeonato Nacional de 1976, reforça essa rivalidade. Tal fato se justificaria por que Campo Grande já havia vivido “os júbilos intensos durante a temporada de Clubes daquela cidade na ‘Copa do Brasil’”, sendo a “vez de Cuiabá mostrar o seu valor e preponderância no esporte mato-grossense, impondo aos seus adversários a garra e o estilo de jogo, que também fazem parte da tradição própria de cada equipe”.8



A inauguração

A obra teve início em 1973. A princípio, apenas o apelido era certeza: Verdão. O nome escolhido era de Estádio Presidente Dutra, “numa homenagem ao único cuiabano que chegou à chefia da Nação.”9 Terminou por homenagear o governador que o construiu, José Fragelli.
Mesmo com a homenagem, existiram muitas críticas ao governador Fragelli quanto ao valor total da obra – Cr$ 1.200.000,00.10 Construído em um buraco, inicialmente, o estádio teria capacidade para 50 mil espectadores, podendo ser ampliado. Segundo a edição d’O Estado de Mato Grosso, de 11 de Janeiro de 1976,
“o ‘Verdão’, que é um dos maiores sonhos da população cuiabana, faz parte apenas de um grande conjunto olímpico, que compreende as mais diversas atividades, inclusive a cultural, pois até será construído um teatro ao ar livre, com capacidade para três mil pessoas. Além do futebol, no mencionado centro esportivo existirão, de acordo com o projeto, quadras para disputas simultâneas de oito modalidades esportivas, sem contar os locais, no fundo de cada gol, destinados a esportes que exigem menores espaços, como lançamento de disco, dardos, martelos, arremessos de pêso e assim por diante.”11
Ao que parece, nunca foi concluído esse projeto de ampliação.
A inauguração só aconteceria três anos depois do início da obra. Antes, porém, a 12 de março de 1975, o então governador José Fragelli (que não poderia deixar o governo sem algum tipo de inauguração) promoveu um jogo entre Fluminense e a Seleção de Cuiabá, que marcaria a conclusão parcial do estádio, tendo o primeiro gol sido marcado pela equipe de Cuiabá.
Finalmente, a 8 de abril de 1976, já no governo de José Garcia neto, e aproveitando a visita do então Presidente da República, Ernesto Geisel, foi inaugurado o Estádio José Fragelli, o Verdão. Sobre a participação de Geisel nas comemorações da inauguração, O Estado de Mato Grosso divulgou:
“O Chefe da Nação ficará na tribuna de honra, no meio do povo, e participará de uma comovente manifestação popular: o canto do Hino Nacional por todos os presentes. A inauguração do ‘Verdão’ será transmitida para todo o País, por várias emissoras de rádio e televisão.”12
Os jogos da inauguração, assistidos por mais de 44 mil pessoas, foram disputados entre o Flamengo e um quadrangular com os clubes da capital: Mixto, Operário e Dom Bosco.
Alguns meses antes, José Garcia Neto havia divulgado que os jogos de inauguração seriam entre o Flamengo e Fluminense. Segundo o que foi publicado pel’O Estado de Mato Grosso, a “renda desse jogo... será distribuída entre os clubes desta Capital, para que possam se capacitar financeiramente para o próximo Campeonato Nacional, já que a CBD confirmou a presença de um clube cuiabano no próximo ‘Nacional’.”13
Infelizmente o Verdão não ajudou os times de Cuiabá a seguirem uma trajetória de destaque nacional como imaginavam os contemporâneos e sua construção.


Notas

* Técnico da Área Instrumental do Governo, Historiador do APMT. Possui Mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em História da UFMT. Endereço eletrônico institucional: laurosouza@sad.mt.gov.br
1 VERDÃO: Fragelli Manda Elaborar o Decreto de Desapropriação do Terreno. O Estado de Mato Grosso, Cuiabá, 12 de fevereiro de 1972, p.1. Veja o Decreto n. 379, de 29 de fevereiro de 1972, que trata da desapropriação do terreno.
2 ESTÁDIO de Cuiabá: Fragelli Desapropria Área. O Estado de Mato Grosso, Cuiabá, 12 e Março de 1972, p.1.
3 Valmir Batista Corrêa defende que a idéia separatista exista desde os primórdios da República, destacando as diferenças regionais entre os grupos coronelísticos do norte – que giravam em torna da Cuiabá, compreendendo as vilas e cidades fundadas no Período Colonial – e do sul – atual Mato Grosso do Sul, e que, a partir da década de 1930, passou a constituir uma campanha, que ficou ainda mais clara com o apoio de Campo Grande ao paulistas na Revolução Constitucionalista. Veja CORRÊA, Valmir Batista Corrêa. Coronéis e Bandidos em Mato Grosso (1889-1943). 1981. 216 f. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de S. Paulo, São Paulo.
4 Sobre a divisão do Estado de Mato Grosso veja ARAÚJO, Vinícius de Carvalho. Paz sob fogo cerrado: três gerações na política de Mato Grosso (1945-2002). 2007.298 f. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá.
5 Cerca de 20% do dinheiro conseguido com a venda se destinaria à construção do Verdão, os outros 80% foram investidos na “cidade administrativa” ou Centro Político Administrativo (CPA). Veja matéria SECRETARIA DE ESTADO DE ESPORTE E LAZER. Verdão 30 anos. A história de um gigante imortal. Disponível em: www.esportes.mt.gov.br/matéria.asp?iArt=131&itype=2 . Acesso em 28/jan./2008; e ARAÚJO, Vinícius de Carvalho, op. cit., especialmente as considerações sobre o mandato do governador José Fragelli, p.88-107.
6 Sobre esse processo veja a dissertação ARRUDA, Márcia Bomfim de. As engrenagens da cidade: centralidade e poder em Cuiabá-MT na segunda metade do século XX. 2002. 149 f. Dissertação (Mestrado em Histórica)- Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Mato Grosso. Cuiabá.
7 Os resultados do censo de 1970 publicados n’O Estado de Mato Grosso apontam uma população para Cuiabá de 100.707 habitantes, contra os 57.860 dez anos antes. Veja EDITORIAL – Campo Grande a mais populosa cidade. O Estado de Mato Grosso, Cuiabá, 11 de Outubro de 1970, p.4; e RECENSEAMENTO confirma: Cuiabá tem mais de cem mil habitantes. O Estado de Mato Grosso, Cuiabá 1º de dezembro de 1970, p.8.
8 MACIEL, Marcondes M. Sonho tornou-se realidade. O Estado de Mato Grosso, Cuiabá, 1º de Janeiro de 1976,p.7.
9 ESTÁDIO de Cuiabá ... op.cit.
10 As informações relacionadas ao orçamento e à inauguração têm como fonte o artigo comemorativo já citado no site da Secretaria de Estado de Esporte e Lazer (SEEL), pois muitos jornais depositados neste Arquivo Público, que fazem referência ao estado, têm suas folhas rasgadas ou arrancadas.
11 “VERDÂO” será inaugurado no dia 15 de março. O Estado de Mato Grosso, Cuiabá, 11 de janeiro de 1976,p.1.
12 Id.,ib.
13 Id.

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